Absurdos cotidianos

“Se eu te beijasse aqui, agora, nós seríamos presas por atentado ao pudor?”

Foi o que a Lu me perguntou, enquanto jantávamos num shopping bastante movimentado do Centro de BH, com os olhos marotos de quem está morrendo de vontade de dar vazão ao desejo, mas sabe que pode atrair olhares, no mínimo, curiosos. Sim, digo “no mínimo” porque curiosidade é o mínimo que a cena “duas mulheres se beijando numa praça de alimentação cheia” despertaria nas pessoas. O máximo poderia ser algo como o que eu li hoje nos jornais online, e que me deixou num misto de indignação e medo.

Um rapaz de 18 anos foi preso em SP, acusado de “estupro de vulnerável” (ou seja, estupro de um menor de 14 anos), por estar beijando o namorado de 13 anos na fila do cinema. A denúncia partiu de uma senhora, escandalizada por ver uma cena tão “terrível”, uma “violência” sendo praticada contra uma “criança”. O “agressor”, se condenado, pode pegar até 15 anos de prisão, mesmo que o beijo tenha sido consentido pela “criança inocente” de 13 anos.

Eu vi fotos do moço de 18 anos por aí. Era um garoto, no sentido pleno da palavra: cabelos a la Justin Bieber, roupas a la Restart, cara de estudante de ensino médio; ou seja, um adolescente. Não existe nada no físico do rapaz que insinue que ele já é um adulto. Portanto, não existia a menor possibilidade da dona senhora denunciante saber que aquele rapaz era um maior de idade, que estaria “corrompendo” um menor. O que me leva a crer que a denúncia foi motivada por, oh que novidade, pura e simples homofobia.

Não defendo a atitude do rapaz, não é essa a questão. Acho, inclusive, meio preocupante ver meninos e meninas adolescentes namorando pessoas muito mais velhas que eles. Mas acontece, o namoro é consentido e, até mesmo, visto com muito bons olhos pelos pais. Exemplo: minha prima tem 17 anos. Seu namorado, 25. Eles namoram há três anos, ou seja, desde que ela tinha 14 e ele, 22. Ninguém da minha família NUNCA estranhou o fato de uma adolescente de 14 anos estar namorando um homem, sim, adulto, sim, maior de idade, sim. Nunca ouvi da boca de ninguém que era caso passível de denúncia, boletim de ocorrência, prisão. Ninguém nunca acusou o moço de “estupro de vulnerável”. Se a situação fosse contrária, um menino de 14 namorando uma mocinha de 18… era capaz até de ganhar um prêmio do pai, uma “medalha da virilidade”, ou coisa que o valha. Se qualquer um dos dois casais, o familiar ou o hipotético, estivesse se beijando na fila do cinema (por mais ardente que fosse o beijo), eu duvido muito, mas muito mesmo, que o caso acabasse na delegacia, com BO registrado e o corruptor condenado.

Mas se o casal é composto por dois rapazes ou duas moças, a coisa muda de figura, né? As pessoas vestem suas armaduras dos Defensores da Moral e dos Bons Costumes, e apontam, xingam, denunciam, agridem, afinal, “alguém tem que proteger as nossas crianças dessa pouca vergonha”. Porque toda a “falta de vergonha” do mundo está num carinho trocado entre duas pessoas do mesmo sexo. Não é nas letras do funk, axé, e outros “gêneros musicais”(??), não é na nudez exagerada nas novelas, não é na desvalorização da figura feminina pela mídia, não é na violência cotidiana, dentro e fora de casa, não é na corrupção da nossa política, na falta de emprego, de educação, de respeito aos direitos básicos do povo. Nada disso desperta tanto o furor dos ditos “cidadãos de bem” quanto um beijo entre rapazes na fila do cinema.

Eu, por minha vez, adoraria ceder às provocações do meu amor e beijá-la no restaurante, no cinema, no supermercado, na esquina, onde me desse na telha e quando me desse vontade. Acreditem, é difícil olhar pro sorriso mais lindo do mundo e me conter para não enchê-lo de beijos. E nem sempre me contenho, mesmo, porque beijos roubados em lugares públicos *cofcofrodoviáriacofcof* existiram e continuarão a existir. Mas não posso negar que esse tipo de notícia me deixa apreensiva, com medo de que algo aconteça com a gente. E eu não quero viver com medo; não um medo tão descabido quanto o de ser punida simplesmente por demonstrar que eu amo.

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Tenho a ligeira impressão que eu só posto no blog quando estou indignada! rs Mas certas coisas precisam ser ditas, para que a gente não viva engasgada, né? Que seja!

4 pensamentos sobre “Absurdos cotidianos

  1. Pois, para mim, é muito propício que desabafe sobre algo que, a meu ver, é muito babaca, desde a revelação do desembargador: “Tecnicamente é correto porque é menino menor de 14 anos de idade que está sofrendo…”

    Tecnicamente e sofrendo na mesma frase é bem legislativo, mas e aí? O menino, psicologicamente falando, sofreu q mesmo? Ele foi forçado, coagido, agredido? Aos 14 anos, ele pode ser punido por roubar, matar porque entende mto bem oq ele praticou, mas a confissão dele de que consentiu e correspondeu ao carinho não vale de nada?

    É muita babaquice técnica aos olhos de pessoas que ainda são ditosas com falsas morais. É cmo eu digo, em alto e bom tom: “só infeliz grila com a felicidade alheia”.

    Imagino agora qtas pessoas infelizes invejaram os nossos olhares cúmplices, segundos antes do nosso beijo de despedida da rodoviária.

    *raiva*

  2. Lu, Obrigada pela sua visita! Entramos em seu blog e lemos alguns posts. Gostamos da forma como você se expressa, articula as ideias e, principalmente, pelas temáticas que vem abordando, como no seu último post.
    Passaremos mais em seu blog e iremos adicioná-lo ao nosso para ver quando vocês postam.
    Um beijo de nós duas.

  3. Marrapaz, eu toda indignada pela leitura, pensando nos comentários solidários que escreveria, e dou de cara com “beijos roubados em lugares públicos *cofcofrodoviáriacofcof* existiram e continuarão a existir.”… CAÍ NA RISADA! \o/ LOL

    Quando namorei pela primeira vez, eu tinha 14 e ele 19. Mesma diferença de idade. Ninguém questionava nada. Hoje eu confesso que fico meio tensa quando vejo alunas minhas de 15 namorando rapazes de 21, mas tento sempre lembrar que eu mesma já fiz isso e não havia motivo algum de preocupação. Mas fazer denúncia baseada num beijinho numa fila NÃO É A MESMA COISA de eu ficar preocupada com uma aluninha minha e expressar minha preocupação a ela. Sacanagem e homofobia puras. Quer dizer… “puras”?

    Ei, Lu, depois eu posto fotinhos das minhas flores pra te encorajar!

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